'Duna' estreia em Veneza com mais aplausos dos nerds do que do grande público - Mundotech
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‘Duna’ estreia em Veneza com mais aplausos dos nerds do que do grande público

‘Duna’ estreia em Veneza com mais aplausos dos nerds do que do grande público

Embora tenha acabado de estrear, “Duna” muito provavelmente terá uma sequência –não um “Duna 2”, mas sim a parte dois do primeiro filme, como Villeneuve tem afirmado em entrevistas

Um dia depois de sua estreia mundial em Veneza, o aguardado “Duna”, de Denis Villeneuve –ou melhor, “Dune: Part One” (Duna: Parte Um), como traz o letreiro do filme–, colheu reações em geral positivas da imprensa mundial.


Exibido fora de competição, o longa teve recepção efusiva dos sites assumidamente nerds, público com o qual o material tem grande apelo. Mas embora a mídia tradicional também tenha também reservado elogios ao longa, foi menos condescendente com a adaptação da obra homônima de Frank Herbert.


No boca a boca, entre as pessoas ouvidas pela reportagem, a sensação que fica é a mesma que o crítico Glenn Kenny, do site Roger Ebert –que aprovou o filme–, explicitou com grande poder de síntese em seu texto. “Não há muita razão para se interessar por ‘Duna’ se você não gosta de ficção científica”, ele escreveu na crítica.


Ainda assim, os mais animados já acham que o longa, estrelado por hollywoodianos como Timothée Chalamet, Zendaya e Rebecca Ferguson, tem potencial para indicações ao Oscar –nem que nas categorias mais técnicas.

Embora tenha acabado de estrear, “Duna” muito provavelmente terá uma sequência –não um “Duna 2”, mas sim a parte dois do primeiro filme, como Villeneuve tem afirmado em entrevistas. Isso porque ele só topou trabalhar no longa se pudesse dividir o livro de Herbert pela metade. Ele diz já estar escrevendo a segunda parte, que só não será filmada se “Duna” for um desastre de bilheteria.


Também em Veneza, os cineastas argentinos Gastón Duprat e Mariano Cohn voltaram ao festival em que alcançaram destaque internacional há cinco anos, quando o divertido “O Cidadão Ilustre” ganhou a atenção dos críticos e jurados. Na ocasião, o longa levou um merecido prêmio de melhor ator para o portenho Oscar Martínez.


A dupla agora tenta o Leão de Ouro com a comédia “Competencia Oficial”, competição oficial em português, que traz novamente Martínez no elenco, desta vez ao lado dos espanhóis Antonio Banderas e Penélope Cruz –a atriz já tinha passado pelo tapete vermelho na última quarta (1º), representando o almodovariano “Madres Paralelas”.
O trio de atores é tão bom, e as ideias que o roteiro traz são tão bem encenadas, que por alguns minutos o filme parecia ser o único a realmente se firmar como favorito na embolada disputa pelo Leão deste ano. Mas a narrativa perde irremediavelmente o fôlego a partir da metade, embora tenha sido recebida com aplausos e muitos risos pela imprensa.


A trama começa com um rico empresário que decide fazer alguma coisa diferente que não apenas ganhar mais dinheiro –quer produzir um filme e ser reconhecido como patrocinador das artes. Não entende nada sobre nenhuma delas, mas compra os direitos de um livro famoso e pretende contratar algum diretor premiado para dar grife à produção.


Alguém lhe sugere a badalada Lola Cuevas (vivida por Cruz), cineasta com métodos muito próprios de filmar e com uma inabalável autoconfiança. Quando ela surge em uma coletiva de imprensa, com ar de tédio, usa óculos de gatinho que lembram os usados por Lucrecia Martel –seria uma brincadeira dos argentinos com a compatriota? Cuevas é inteligente e provavelmente muito talentosa, mas sua tirania no set a faz ser acima de tudo uma víbora.


O filme que ela prepara fala de dois irmãos rivais e, para os papéis, a personagem escolhe dois atores bem distintos.


Um deles é Iván, interpretado por Martínez, tespiano respeitado nos meios intelectuais, que despreza o público e acha que sua arte o coloca acima do resto da humanidade.


O outro é Félix, vivido por Antonio Banderas, uma estrela do cinema espanhol, mulherengo e machista, que se não possui tanto prestígio quanto Iván, ao menos tem o afeto das grandes massas.


Na primeira hora de filme, o encontro desses três talentos (no filme e na vida real) rende momentos de glória cômica. Cada um tenta se mostrar mais que o outro, mas a perversa Lola é quem costuma sair vitoriosa dos confrontos. Um de seus exercícios para “tirar mais emoção” do elenco consiste em colocá-los embaixo de uma pedra de cinco toneladas, segurada por um frágil guincho. O medo de morrerem esmagados, teoricamente, faria os atores terem o tipo de entrega que ela procura.
Com uma série de episódios mostrando os ensaios para a filmagem, o longa desvela mordazmente as incoerências, e sobretudo os egos, daqueles três artistas. É uma crítica ao estrelato vazio, mas também ao intelectualismo enquanto fetiche –é hilária a cena em que Iván e sua mulher escutam música experimental, fascinados pelos ruídos dissonantes, sem se dar conta de que muitos deles são de alguém batendo naquele instante à porta de sua casa.


O filme é, acima de tudo, sobre o prazer de ver atores bons em cena, e por isso funciona tão bem nessa primeira etapa –os jogos de interpretação de Cruz, Banderas e Martínez são sempre uma atração de força magnética.


“Nossa ideia foi sempre mostrar a construção da emoção através do jogo dos atores. Algo que não vemos: as estratégias que eles possuem para nos emocionar. Foi esse o pontapé inicial do roteiro”, disse Duprat, destacando que o roteiro teve muita participação do trio protagonista.
“A premissa sempre foi nos divertir”, complementou Cohn. “Permitimos que as atuações fluíssem, os atores tinham a liberdade de atuar, de modo que pudéssemos captar a espontaneidade deles. O resultado é uma ‘master class’ de atuação.”


O problema é que um filme narrativo precisa de algo além do que apenas esquetes sobre técnicas de atuação, e infelizmente “Competencia Oficial” só resolve pensar em uma trama propriamente dita já na reta final, quando um crime acontece. Por fim, deixa uma reflexão sobre o poder do dinheiro e como ele se sobrepõe sobre o fazer artístico, mas é na satírica visão sobre as afetações humanas que o filme verdadeiramente se destaca.


A princípio, poderia parecer que o italiano Michelangelo Frammartino, que disputa o Leão com o filme “Il Buco”, seria um candidato a alvo da sátira dos argentinos, com seu cinema minimalista, em que inclui longas tomadas de paisagens sem que nada de fato aconteça diante da câmera. Mas esta seria uma crítica injusta a um intelectualismo que existe apenas até certo ponto em sua obra. O cinema de Frammartino é muito mais acessível do que aparenta.
É preciso ter paciência, porque ele nunca narra uma história tradicional. Deixa que as imagens falem por si –com uma baita ajuda da montagem e da mixagem de som, é verdade. Há muito mais cálculo por trás da pretensa espontaneidade, digamos, de seu cinema que se imagina.


E se o espectador souber procurar bem, as imagens lhe dirão muitas coisas –”Il Buco” reconstitui uma missão de geólogos a uma caverna na Calábria, tentando saber o que existe em seu fundo. É basicamente isso, com muitas cenas que a rigor não mostram nada além de paisagens campestres ou de exploração geológica. Mas há sempre algo ali: um grafismo inusitado, uma beleza inesperada ou mesmo um caráter ambíguo nessas imagens, em que jamais repararíamos caso Frammartino não nos forçasse a vê-las.


Pode ser um suplício para alguns, mas é um filme extraordinário a quem investe sua atenção ao que está na tela. Depende apenas do empenho do espectador.

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